Entrevista com o Dr. José Luis De Fabio, representante da OMS/OPS em Cuba

25 de Abril de 2015 1:15am
claudia
Entrevista com o Dr. José Luis De Fabio, representante da OMS/OPS em Cuba

Para o Dr. José Luis De Fabio, representante da OMS/OPS em Cuba, a Convenção Internacional “Cuba Saúde 2015” em tempos nos que as diferenças sanitárias se estão a acentuar no mundo todo, é uma oportunidade de luxo para “debater os temas finques e prioritários da agenda internacional sobre saúde. Esta Convenção de Saúde 2015 é uma mais, ainda que diria a principal, de uma série onde se expõem os avanços da saúde em Cuba e o resto do mundo desde um enfoque da Atenção Primária da Saúde”.

“Vários temas fundamentais para a Saúde Pública serão apresentados e discutidos, mas gostaria de destacar o acesso e cobertura universal em saúde, onde veremos como diferentes países têm e/ou estão desenvolvido suas estratégias particulares para que o sistema de saúde possa responder às necessidades da população; que as pessoas e comunidades tenham acesso, sem discriminação alguma, a serviços integrais de saúde, adequados, oportunos, de qualidade, determinados a nível nacional, de acordo com as necessidades, em base a seus contextos históricos, económicos e culturais diferentes.

“Também é muito importante o ponto das determinantes sociais e a equidade em saúde, pois as inequidades em matéria de saúde se devem às condições da sociedade nas que uma pessoa nasce, cresce, vive, trabalha e envelhece. E como elemento fundamental sobresale a colaboração médica internacional, com o exemplo especial e particular de Cuba e a cooperação Sul-Sul, já seja manifestada na colaboração direta, respondendo às necessidades de saúde da populações especialmente em áreas rurais, isoladas e vulneráveis, como na formação de recursos humanos, ou na resposta a desastres naturais ou epidemiológicos como o Ebola em África Ocidental”.

Como repercutem as políticas económicas, sociais e ambientais no desenvolvimento e trabalho médico em nível global?

A boa saúde baseia-se tanto no acesso a intervenções médicas, como nas condições de vida e as opções e decisões pessoais. Muitas forças externas afectam a qualidade da saúde das pessoas e estas são os determinantes de saúde, entre elas o ensino, o emprego, o nível de rendimentos e a distribuição dos mesmos, a moradia, o médio ambiente, a segurança alimentária e a nutrição, a raça, o género e o estrés.

Diversos exemplos mostram-nos como estes factores e suas combinações têm marcadas relações com os riscos para diferentes doenças e a esperança de vida. Portanto, falar de boa saúde não depende exclusivamente das medidas tomadas pelas instituições e a prestação de serviços, senão também do desenvolvimento coordenado da sociedade em sua totalidade, onde além de saúde participam outros setores e atores.

É fundamental reconhecer e aceitar que de uma colaboração coordenada e intersectorial se consigam formular políticas integrais que tenham em conta as necessidades de toda a população, prestando uma atenção especial aos grupos vulneráveis e as zonas de alto risco.

Qual é o papel da OMS e a OPS num mundo a cada vez mais consciente da importância de equilibrar a balança em termos de saúde, mas condicionado pelas imposições das indústrias farmacêuticas e o negócio que hoje constitui a medicina?

Os custos em saúde estão a aumentar em forma alarmante e as expectativas públicas pela atenção também estão a aumentar. Ao tempo, muitos países estão a procurar estratégias que lhe permitam caminhar para a cobertura universal para proteger suas populações mais vulneráveis.

O aumento das doenças crónicas não transmissíveis está a atingir a todas as populações, ricas e pobres. Doenças cardiovasculares, hipertensão, diabetes e cancro podem representar até um 80% do ónus de doença de países de baixos e médios rendimentos e muitos destes pacientes requerem de tratamentos de longo termo, por não dizer de por vida, com medicamentos muitas vezes muito caros que afectam os sistemas de saúde e a economia dos pacientes.

O mesmo sucede com a tecnologia e alta tecnologia médica. Há relatórios que reportam que os países poderiam poupar até um 60% de suas despesas farmacêuticas se mudassem os medicamentos de marca por genéricos.

Recentemente a globalização da protecção de patentes tem agregado #um novo ónus ao tema de acesso a medicamentos, fazendo mais difícil a produção e compra destes produtos genéricos a mais baixo custo.

O atual sistema de incentivos para a inovação farmacêutica segue estando conduzido pelas forças do mercado e não pelas prioridades globais de saúde. Com este esquema, o desenvolvimento de novos produtos para as doenças que afectam maiormente à pobres falha pela falta de capacidade de pagamento, ainda que as necessidades sejam enormes. As perguntas que devemos nos fazer então são as seguintes:

O preço de uma nova medicina deve refletir o valor que esta medicina tenha para os accionistas ou a sociedade?

São os medicamentos essenciais bens públicos?

Deve o preço de um novo medicamento estar baseado no que o mercado esteja disposto a pagar?

A OMS promove o acesso a medicamentos acessíveis, seguros, eficazes e de qualidade, e ante esta problemática embarcou-se na aplicação plena da estratégia mundial e plano de acção da OMS sobre saúde pública, inovação e propriedade inteletual, que entre várias acções fomenta as atividades de investigação e desenvolvimento, apoia a criação de capacidades de inovação em matéria de investigação e desenvolvimento, fomenta a transferência de tecnologia entre os países desenvolvidos e os países em desenvolvimento, apoia a aplicação e a gestão do regime de propriedade intelectual, e assegura e potência mecanismos sustentáveis de financiamento das actividades de investigação e desenvolvimento.

Atenção médica pública, universal e gratuita, uma utopia?

O preâmbulo da constituição da OMS diz: “O goze do grau máximo de saúde que se possa atingir é um dos direitos fundamentais de todo ser humano sem distinção de raça, religião, ideologia política ou condição económica ou social;” e este é o valor central para o acesso universal à saúde e a cobertura universal de saúde.

A cobertura de saúde define-se como a capacidade do sistema de saúde para responder às necessidades da população, o qual inclui a disponibilidade de infraestrutura, recursos humanos, tecnologias da saúde (incluindo medicamentos) e financiamento.

A cobertura universal de saúde implica que os mecanismos de organização e financiamento são suficientes para cobrir a toda a população, mas não é suficiente por se sozinha para assegurar a saúde, o bem-estar e a equidade em saúde.

A República de Cuba no artigo 50 de sua Constituição, estabelece o direito que têm todos os cidadãos do país a que se lhes atenda e proteja sua saúde, e a obrigação que tem o Estado de garantir esse direito com a prestação da assistência médica de forma gratuita mediante a rede de instalações de serviços médicos. O anterior, na lei 41 do 1983 se concretou num sistema nacional de saúde único, gratuito, acessível, universal e integral, baseado na Atenção Primária de Saúde, que entre muitos lucros tem mantido a taxa de mortalidade infantil por embaixo de 5 pela cada mil nascidos; com uma mortalidade materna direta de 21, 5 pela cada 100 mil nascidos vivos e uma expectativa de vida de 78 anos; e com várias doenças inmunopreveníveis eliminadas.

Portanto, a resposta a sua pergunta é: não é uma utopia, é possível sempre que os governos lhe dêem à saúde a prioridade que tem e que a saúde das populações não seja considerada como uma despesa, senão um eixo do desenvolvimento humano, e que exista um compromisso de toda a sociedade para promover a saúde e o bem-estar.

De qualquer maneira, quando falamos de acesso universal à saúde e a cobertura universal de saúde estamos a falar de que todas as pessoas e as comunidades tenham acesso, sem discriminação alguma, a serviços integrais de saúde, adequados, oportunos, de qualidade, determinados a nível nacional, de acordo com as necessidades, bem como a medicamentos de qualidade, seguros, eficazes e acessíveis, ao mesmo tempo que se assegure que o uso desses serviços não expõe aos utentes a dificuldades financeiras, em particular os grupos em situação de vulnerabilidade.

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